Perdendo um pouco da técnica para ganhar a compreensão do leitor, analisarei as minhas brevíssimas percepções jurídicas acerca do delito de apropriação indébita previdenciária, estudo direcionado aos principais transgressores da norma penal: o empresário. Portanto, elementos pré-textuais e normas formais não serão considerados – irei direto ao ponto de interesse.
O crime de apropriação indébita previdenciária é prevista no art. 168-A do Código Penal, exigindo para configurar o delito em análise os seguintes elementos: (a) deixar de repassar à previdência social; (b) as contribuições já e anteriormente recolhidas dos contribuintes; (c) no prazo e na forma legal ou convencional. Em outras palavras, o sujeito ativo deve não levar a efeito o recolhimento das contribuições previdenciárias aos cofres públicos da Previdência Social, não repassando os valores a quem de direito. O prejuízo sofrido pela autarquia responsável pelos benefícios previdenciários atinge toda a sociedade brasileira, pois torna-se dificultoso o custeio da manutenção da vida dos aposentados e pensionistas.
Se por um lado o empresário fica sufocado com a tributação pesada e insana do Estado brasileiro, muitas vezes até inviabilizando o negócio, responsável pela empregabilidade, desenvolvimento social e econômico, por outro a alternativa de ser devedor da Previdência Social gera consequências jurídicas graves. Quanto ao âmbito Cível e Administrativo, o não pagador suporta as sanções pecuniárias. Entretanto, o Direito Penal prevê a privação da liberdade como medida sancionatória: “reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”. Ressalte-se que a sanção penal não envolve apenas a punição por si só, mas todo o constrangimento por ser réu de um Processo Penal, algo por si só uma punição antecipada.
Diante deste panorama, verifiquemos duas situações especiais acerca do delito de apropriação indébita previdenciária:
1- Empresário em falência pode vir a não incorrer em delito de apropriação indébita previdenciária:
“A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) absolveu, por unanimidade, o empresário Alexandre Nogueira Paes Barreto, acusado de praticar o crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, do Código Penal). A Turma entendeu que o réu não repassou ao fisco o tributo no período devido porque não dispunha de recursos para tanto já que a sua empresa, Maranhão Comércio de Carnes Ltda, situada em Jaboatão dos Guararapes, faliu.”
Considerando este precedente do TRF 5ª Região, o empresário que comprove a situação de falência pode vir a não incorrer em delito, frise-se que há uma mera possibilidade, necessitando de provas robustas para tanto, não sendo uma regra. Para tanto, o sujeito ativo deve comprovar concretamente o momento do não recolhimento, qual seja: quando estava em situação de falência, pois se a conduta foi levada a efeito quando a empresa estava saudável economicamente, não há que se abarcar este entendimento.
2- Faculdade do juiz de não aplicar o diploma repressivo quando o agente for primário e de bons antecedentes, desde que tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios ou o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais:
Claramente o legislador criou a norma penal com o intuito de arrecadar aos cofres públicos, pois é melhor o mesmo receber e não punir que o contrário. Diante disso, eis o parágrafo 3º do art. 168-A do CP como uma forma de arrecadação, abrindo-se uma porta para o empresário devedor não suportar a dura sanção penal de privação da liberdade cumulada com multa. Para tanto, necessário cumprir os seguintes requisitos: (a) pagamento das contribuições previdenciárias e/ou acessórios; (b) após a ação fiscal e antes do recebimento da denúncia; (c) valor mínimo para o ajuizamento da execução fiscal.
Quanto ao pagamento dos tributos[1], este ato extingue a punibilidade independentemente do momento em que efetuado:
STF: “1. Tratando-se de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1º, I, CP), o pagamento integral do débito tributário, ainda que após o trânsito em julgado da condenação, é causa de extinção da punibilidade do agente, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03. Precedentes. 2. Na espécie, os documentos apresentados pelo recorrente ao juízo da execução criminal não permitem aferir, com a necessária segurança, se houve ou não quitação integral do débito. 3. Nesse diapasão, não há como, desde logo, se conceder o writ para extinguir sua punibilidade. 4. De toda sorte, afastado o óbice referente ao momento do pagamento, cumprirá ao juízo das execuções criminais declarar extinta a punibilidade do agente, caso demonstrada a quitação do débito, por certidão ou ofício do INSS” (RHC 128.245/SP, DJe 21/10/2016).
(…)
“Portanto, se no histórico das leis que regulamentam o tema o legislador ordinário, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, optou por retirar o marco temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, porquanto incompatível com a ratio da legislação em apreço. E, assim, não há como se interpretar o artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado” (HC 362.478/SP, DJe 20/09/2017).
Em outras palavras, o STF entende que o pagamento integral – a qualquer tempo – dos tributos devidos é causa de extinção da punibilidade. Por uma questão de lógica interpretativa, importante frisar que este entendimento não é cabível quando da execução penal, ou seja, quando a pena já foi levada a efeito, pois haveria um enfraquecimento e falta de legitimidade estatal na imposição de suas normas proibitivas.
Noutro giro, verifique-se a situação do empresário que não paga as contribuições previdenciárias no tempo e nas circunstâncias indicadas em lei: não o faz porque é difícil competir no mercado tendo que suportar as altas cargas tributárias, muitas vezes inviabilizando o negócio, não tendo caixa, por óbvio, para quitar integralmente muito menos teria condições financeiras, necessitando incorrer em empréstimos a juros exorbitantes, ocorrendo uma morte lenta de seu empreendimento. Diante deste cenário, o legislador permitiu ao devedor o parcelamento fiscal com o advento da lei 12.382/11, o qual alterou a lei 9.430/96 especificamente no art. 83[1], o qual garante o direito de parcelamento até o momento de recebimento da denúncia para débitos tributários. Este instituto suspende a pretensão punitiva do Estado até o pagamento integral da quantia devida, tendo, consequentemente, extinta a punibilidade.
Diante do exposto, eis a principal questão: como viabilizar o negócio suportando a alta carga tributária brasileira? Não sei, não sou empresário, mas advogado e professor universitário de Direito, mas resta a certeza de necessidade de pagamento; a sonegação não é a via para amenizar o cenário desfavorável da política econômica, pois as consequências são bem pesadas.
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[1] Doutor/Ph.D. em Direito pela UERJ, Mestre em Direito pela UERJ, Graduado em Direito pela UFRJ, professor universitário e advogado. E-mail: thiagojordace@hotmail.com
[1] Apropriação indébita previdenciária:
Código Penal – Art. 168-A: Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
- 1oNas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
- 2oÉ extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
- 3oÉ facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
[1] Código Civil, Art. 966: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
[1] Constituição Federal/1988, Art. 201: A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes (…).
[1] Veja lista dos 500 maiores devedores da Previdência Social: <http://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/jbs-e-a-empresa-que-mais-deve-para-a-previdencia-veja-os-500-maiores-devedores-22wmik37dli6hsucikyp1kcz1>, acesso em 05.11.2017.
[1] https://trf-5.jusbrasil.com.br/noticias/2159050/falencia-livra-empresario-de-crime-por-apropriacao-indebita-previdenciaria
[1] Código Tributário Nacional, Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
[1] Lei 9430, art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto- Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Parágrafo único. As disposições contidas no caput do artigo 34 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.
- 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.
- 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
- 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
- 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
- 5º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.
§ 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”.